Eu costumo dizer que quadrinho é a arte da elipse. Elipse é
uma figura de linguagem em que pulamos parte da frase, deixando restante
subentendido. Por exemplo: Maria gosta de mação, João, de morango. O verbo
gostar foi pulado, mas o sentido se manteve – é uma elipse.
O que na literatura é um recurso ocasional, nos quadrinhos
ocorre o tempo todo. Há sempre um pulo entre um quadro e outro, que deve ser
preenchido pelo leitor (aqueles que criticavam os quadrinhos por não estimularem
a imaginação do leitor, dando tudo pronto, certamente nunca leram quadrinhos).
Observe o exemplo abaixo, de Will Eisner.
Entre o momento em que o malandro está falando e o momento
em que ele está caído no chão, alvejado, houve uma série de ações. O gangster
tirou o revólver do bolso (ou de uma gaveta na mesa) apontou, atirou, a bala
fez o trajeto da arma até o corpo do rapaz, ele foi atingido e, finalmente
caiu. Tudo isso ocorre dentro da cabeça do leitor.
Os melhores quadrinistas são aqueles que conseguem lidar com
a elipse, mostrando apenas os necessário, deixando o leitor participar da
história.
Observe, por exemplo, a tira abaixo, do Pelezinho.
O humor
está todo na elipse, a graça está em imaginar o que aconteceu entre o momento
em que o Pelezinho faz o gol, pula para comemorar e o constrangedor momento em
que ele está no chão, com um pássaro nas mãos.
As elipses pode,
inclusive, dar o ritmo da história. Elipses mais curtas, que mostram muito,
podem demonstrar lentidão. Na história clássica do Demolidor A queda de Matt
Murdock, há um ponto em que Murdock está acabado, derrotado, em um hotel
barato, com poucos dólares no bolso. Deitado na cama, ele reflete sobre o que
lhe aconteceu e concluí que tudo faz parte de um plano do Rei do Crime e decide
se levantar para se vingar. A sequência parece uma câmera lenta: ele começa a
se levantar da cama, ele se levanta, ele anda, ele pega na maçaneta da
porta.... e no quadro seguinte ele está de volta à cama. A impressão que se tem
é de que o levantar para sair foi feito com grande esforço, lentamente,
enquanto que a volta para a cama foi rápida, o que mostra o quanto a
personalidade do herói foi quebrada.
Na história Pig Ficiton, com desenhos de Antonio Eder, eu
usei a elipse para demonstrar rapidez dos acontecimentos. O pulo entre uma ação
e outra é tão grande que parece que tudo aconteceu muito rápido, surpreendendo
o porquinho que imaginava que iria escapar.
Ou seja: na hora de escrever seu roteiro, tenha em mente que
nem tudo precisa ser mostrado. Às vezes o que não mostramos é mais importante
do que é visto pelo leitor.