sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Entrevista com Flávio Teixeira, roteirista da Turma da Mônica

Flávio inspirou a criação de um personagem, primo do Rolo.

Flávio Teixeira é um dos mais atuantes roteirista do estúdio Maurício de Sousa Produções.  Entre os seus trabalhos se  destacam várias adaptações de filmes e o casamento da Mônica na versão jovem. Os fãs se deliciam com sua verve para o humor, o trocadilho e as referências à cultura pop com as quais enche suas histórias. Nesta entrevista ele fala um pouco de sua carreira de seu processo de criação. 

O que você lia quando era criança?
Eu comecei a ler turma da Monica, que acho que todo mundo lê quando é criança, e algumas coisas estranhas para mim na época, como Fantasma, super-heróis, mas o que mais me cativou foi a Turma da Monica, o que me ajudou, pois depois, como ia trabalhar com esses personagens, foi isso que acabou me formando como roteirista.

Como você começou a escrever roteiros?
Quando era criança eu adorava a escrever histórias. Fazia histórias dos meus personagens, os professores me incentivavam e aos sete anos eu fiz uma historinha e mandei para a Folhinha, que tinha um espaço chamado futuro artista. Mal sabia eu que ia ser mesmo um futuro artista de quadrinhos. Quando cresci, fui trabalhar com desenho animado, como desenhista, eu nem sabia que existia roteirista. Na época do plano Collor eu fui demitido e sugeriram que eu procurasse o Maurício e lá um amigo disse que eu tinha muita criatividade e sugeriu que eu fizesse teste para roteirista. Eu comecei a fazer em folha de caderno. Aliás, o primeiro roteiro que fiz foi o Batmão, que é uma história do Batman com o Jotalhão em que ele vai assistir a um filme do Batman e pede para a Monica fazer uma roupa para ele. Foi o primeiro que eu fiz, mas o primeiro que publicado foi da Dona Morte, que é um personagem que adoro. Eu inclusive dei uma mudada na personagem. Os roteiristas tinham uma outra maneira de fazer ela, uma coisa mais durona. E era meio assexuada. Era dona morte, mas não era bem uma mulher e eu comecei uma Dona Morte mais gente boa, mais feminina. Fui mudando aos poucos, o Mauricio aceitou e eu achei muito legal. A primeira história que saiu trata de suicídio, que hoje seria impossível por causa do politicamente correto. Era um cara tentando se jogar de uma ponte com uma pedra, e a Dona Morte convencia ele a não fazer isso porque ele não estava na cota dela .

Qual o personagem que você mais gosta de escrever?
É a Dona Morte. Se você pegar as minhas histórias, vai ver que de alguma forma ela sempre aparece. Eu adoro porque ela foge do clichê. A dona morte só precisa pegar alguém e isso dá asas para a imaginação. Tem uma das histórias que eu mais gosto que ela vira criancinha, a Mortinha e ninguém respeita mais ela. Tem aquela que fiz do Papa, que também teve uma repercussão bem legal. Aliás, aquela história eu fiz na rodoviária.
Dona Morte, personagem predileta.

Qual o personagem mais difícil de escrever?
Então, o roteirista do estúdio MSP tem que saber escrever todos os personagens, mas o núcleo que eu tenho mais dificuldade é a Turma da Mata, porque tem aquele lado político, mas ao mesmo tempo não pode ser muito político. Como eu tendo mais para o humor, quando vou eu alopro, eu faço umas histórias que brincam bem com esse lado do rei, do reinado. Outro difícil é o Horácio, que é um personagem do Maurício. A gente tenta de vez em quando, mas é muito pessoal, difícil conseguir emplacar um roteiro. 

De todas as histórias que você fez, qual  você mais gosta?
É complicado. É como filho, difícil dizer qual a gente mais gosta, mas eu gosto muito dos clássicos do cinema. Eu gosto muito de Coelhada nas Estrelas, porque sou fã de Star Wars.

Mestre do trocadilho, Flávio adora fazer adaptações de filmes.

Foi você que criou os trocadilhos com os filmes, como “O império contra a vaca”?
Sim. O pessoal diz que sou o rei dos trocadilhos. Eu posso perder o amigo, mas não perco a piada. Teve o Astroboy, que virou Astroboi. Eu adoro fazer trocadilhos...

Esses trocadilhos já ficaram famosos. Lá em casa ninguém mais diz O Império Contra-ataca, é 
O Império Contra  a Vaca...
Rsrsrs verdade. E tem muita coisa. Por exemplo, Avatar, virou Avaturma, vem fácil.
Flávio foi o roteirista do casamento mais esperado dos quadrinhos.
 Como é o seu processo criativo?
Depende. Se o prazo é curto, você fica às vezes meio tenso. Se você me vê andando para lá e para cá é porque eu estou tenso, eu estou num processo criativo  e ainda não sei para onde eu vou. Às vezes eu tenho uma ideia e ela vai para três quatro lugares diferentes e eu tenho que me ater a uma só. Eu sou um cara que gosta de pesquisar muito sobre o assunto da história.  Se vou fazer a história de um filme, vou pesquisar sobre o filme, se vou fazer a história da pizza, vou pesquisar. Se na pesquisa vejo a referência a Nápoles, vou pesquisar o que é Napoles, é um link infinito. No mangá eu tenho um estilo próprio. Eu escrevo a história de forma corrida em 12 páginas de texto porque os mangás têm que ter 120 páginas. Então cada página de texto tem que me dar 10 páginas de quadrinhos. Na hora em que estou passando a limpo é que começo a pensar no layout porque layout de mangá é diferente e eu começo a pensar: aqui era para dar 10, deu 6, legal, vai dar para desenvolver um pouco mais outra sequencia...

Como você escreve?
Como se fosse uma peça de teatro. O cebolinha fala, a Monica fala, etc e a descrição das gags visuais. Na hora de passar a limpo, faço o layout e vem coisas novas.

Uma coisa interessante do Maurício é que, apesar do processo ser meio industrial, cada um tem um estilo e dá para perceber isso nas histórias. A minha filha, que é especialista em turma da Mônica, diz que o seu forte é o humor.
Isso. Cada um tem uma marca. A turma da Monica Jovem minha, por exemplo, é bem mais leve. É um humor de fazer gag o tempo todo. Cada roteirista tem o seu estilo e ele aprece nas histórias. Por exemplo, se você lê uma história do Mingau, você sabe que é do Paulo Back porque ele tem, tipo, 10 gatos em casa e sabe tudo de gatos. As histórias do Emerson têm um estilo que você diz: só o Emerson para fazer isso. Ele faz umas coisas bem doidas que só poderiam sair da cabeça dele.

O que você gosta de ler, de quadrinhos?
Eu leio de tudo.  Leio super-herói, comecei a ler muita coisa de quadrinho europeu graças ao Sidney Gusman, que começou a me trazer muita coisa legal.

Eu já percebi nos seus quadrinhos uma pegada meio Asterix, com muita gag visual.
O Asterix me influenciou muito. Eu adoro os trocadilhos do Goscinny. Eu li e fiquei pirado. Calvin também. Foram verdadeiras escolas de roteiro. Aliás, quando comecei, o Maurício falava: tá muito Calvin isso aqui, dá uma maneirada...rsrsrs

Que dica você daria par os novos roteiristas?
Você tem que ser muito apaixonado por roteiro e você tem que ler de tudo, não pode ter preconceito: quadrinho europeu, quadrinho americano, mangá. Você não pode ficar viciado em uma coisa só. E você tem que se dedicar à pesquisa. A pesquisa vai transformar muito seu roteiro.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O roteiro nas histórias em quadrinhos

Gian Danton oferece, neste livro, sua experiência de mais de duas décadas lidando com as Histórias em Quadrinhos, seja produzindo roteiros, seja ministrando cursos sobre o assunto. 
Nas palavras do autor, em O roteiro nas Histórias em Quadrinhos “o neófito pode encontrar todas as dicas para se tornar um roteirista de qualidade. Mas vale lembrar que nenhum livro ou curso, por melhor que seja, é capaz de realizar milagres. Escrever quadrinhos, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, exige muito esforço, dedicação e perseverança. E exige também muita leitura”. 
Alguns temas tratados no livro: 
Como criar personagens
Como criar a ambientação 
Tramas
Diálogos 
Texto 
Como fazer um projeto

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Imaginários quadrinhos - selecionados

A editora Draco anunciou início deste ano que iria investir em antologias de HQs, a série Imaginários Quadrinhos. Pelos outros trabalhos publicados pela Draco, esse álbum tem sido esperado ansiosamente pelos fãs.
Pois a editora anunciou os escolhidos para o primeiro número. São:

1- “Valquíria em O Homem que Veio do Céu”

Arte: Alex Genaro / Roteiro: Alex Mix

2- “ÔCH”

Arte e roteiro: Raphael Salimena

3- “Apagão”

Arte: Camaleão / Roteiro: Raphael Fernandes

4- “Gélidas Memórias”

Arte: MJ Macedo e Geannes Holland / Roteiro: MJ Macedo

5- “O Caso do Monstro do Ártico”

Arte: Marcus Rosado / Roteiro: Zé Wellington

6- “A Revolução Não Será Compartilhada”

Arte: Dalton Dalts / Roteiro: Raphael Fernandes

Mais informações no blog da editora.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Caligari: a história de uma adaptação


    O sucesso do filme Caligari fez com que ele fosse adaptado mais de uma vez para outras mídias. A obra já foi citada diversas vezes em gibis e ganhou uma adaptação em quadrinhos em 1992, pela editora Monster Comics, numa minissérie em três partes assinada por Ian Carney e Michael Hoffman. Em 1999, os roteiristas Randy e Jean-Marc Lofficer e o ilustrador Ted Mckeever juntaram elementos de Batman, Super-homem, Metrópolis e Caligari no especial Nosferatu. Quando Tim Burton lançou o segundo filme do Batman, em 1992, o visual do Pinguim era inspirado em Caligari, visual que depois foi aproveitado no desenhado animado dirigido por Bruce Tim.
    Curiosamente, embora os quadrinhos de terror sempre tenham feito muito sucesso no Brasil, em nosso país nunca o filme de Wiene havia sido adaptado para a nona arte.
    A idéia para isso surgiu em 1998. Nessa época estava sendo lançada a graphic novel Manticore, em duas partes, com roteiro meu, pela editora Monalisa. O sucesso de crítica (a revista ganhou o HQ Mix, o Angelo Agostini de melhor roteirista e o prêmio da Associação Brasileira de Arte Fantástica) fez crer que a revista teria uma continuidade. A idéia, então, era transformar a Manticore numa revista mix de terror e ficção-científica nos moldes da extinta Kripta. Uma das ideias era fazer histórias sobre mitos urbanos, como O bebê diabo e sobre clássicos de terror, como Caligari.
Uma série de decisões editoriais equivocadas fez com que a revista, apesar do sucesso, não tivesse continuidade, mas algumas dessas histórias seriam de fato produzidas. As duas citadas acima foram lançadas em 2008 pela editora HQM no especial Quadrinhofilia, que reúne trabalhos de José Aguiar.
O processo de adaptação começou com uma análise do filme. Eu e o desenhista assistimos ao Gabinete do Dr. Caligari juntos, fazendo anotações. A ideia era captar as principais características da história, afinal, o segredo de uma adaptação não é ser totalmente fiel à trama, mas ser fiel ao espírito da ideia original. Assim, a deformação dos cenários e a maquiagem exagerada foram os elementos mais facilmente percebidos. Como havia uma limitação de seis páginas, a história precisava ser condensada, mas ainda assim fazer sentido e ser fiel.
Uma das questões discutidas foi com relação ao uso de diálogos e legendas. Como o filme é mudo, o caminho mais fácil seria fazer uma HQ muda. Mas cinema e quadrinhos são mídias completamente diferentes e fazer isso seria um erro. Mesmo em seus primórdios, as HQs não eram mudas, pois não havia limitação técnica ao uso da linguagem falada. Assim, decidiu-se que se teria diálogos e legendas (representando a fala de Alan, em off).
    O passo seguinte, após a estruturação de um argumento-sinopse, foi a elaboração de um roteiro.  O roteiro das duas primeiras páginas é apresentado abaixo, para dar uma ideia dessa fase da adaptação:

Página 1
Q1 – Plano detalhe de folhas secas caídas no chão.
Velho (off): Os espíritos... eles estão em todos os lugares...
Q2 – Plano médio. Francis e o velho estão sentados, lado a lado, conversando.
Velho: Nos amedrontam... eles me afastaram de minha mulher e meus filhos.
Q3 – Os dois estão conversando, mas agora Francis olha para o lado, para Jane, que aparece vestida de branca, quase como um espírito.
Velho: Foi assim que aconteceu, meu rapaz...
Q4 – Jane passa pelos dois, sem notá-los. Quadro mudo. 
Q5 – Quadro horizontal. Créditos. Francis e o velho em primeiro plano, vistos de costas, enquanto Jane afasta-se, em último plano.
Velho: Conhece a jovem?
Francis: Aquela é minha noiva, Jane.
Q6 – Alan e o velho conversando, em plano médio.
Francis: A pobre jamais se recuperou do que nos aconteceu...
Q7 – Agora um plano fechado dos dois, conversando. Francis, agora em segundo plano, sendo observado, com olhar perdido, pelo velho.
Francis: Também tenho uma história...
Q8 – plano fechado de Francis, em gesto amplo, expressionista.
Francis: ... ainda mais extraordinária do que a sua...
Q9 – Close de Francis. Destaque para seu olhar melancólico, ampliado pela “maquiagem pesada”.
Francis: Tudo começou com a chegada da feira de variedades à nossa cidade.

Página 2 Nesta página teremos um quadro grande, o 4, ocupando boa parte da página, num tom expressionista.
Q1 – Quadro geral da feira, com Caligari aproximando-se do leitor.
Texto: E com a feira
Q2 – A continuação da mesma cena, mas agora Caligari já está mais próximo de nós.
Texto: veio
Q3 – Agora o quadro é tomado por Caligari.
Texto: O doutor Caligari.
Q4 – Chegamos ao quadro de impacto da página. Caligari espera o escrivão. Como combinamos, a mesa do escrivão é extraordinariamente alta e distorcida, simbolizando, como no filme, o monstro da burocracia. Caligari é visto como pequenino diante desse monstro.
Texto: Antes de instalar sua feira, o doutor foi pedir permissão ao escrivão. Ele foi duramente humilhado. Teve que esperar por horas para ser atendido.

O exemplo serve para demonstrar como foi o processo de adaptação nessa fase de estruturação do roteiro. Bom lembrar que tal roteiro foi construído a partir das conversas entre desenhista e escritor, e reflete essa conversa. Posto isso, passemos a analisar o texto. 
A fala de Francis, quebrada, nos três primeiros quadros da página 2, revela influência do quadrinho britânico do final dos anos 1980, em especial de autores como Neil Gaiman (Orquídea Negra) e Alan Moore (Monstro do Pântano).
A narrativa, em off, é intencionalmente coerente e racional, como forma de evitar que o leitor perceba que se trata de um conto de um louco, o que já é evidenciado pelo desenho, sendo uma pista de como a trama irá terminar. Assim, o roteiro procurou preservar o final surpresa.
Se o texto parece uma narrativa fantástica contada por um homem racional, o desenho distorce essa narrativa, demonstrando o real estado das coisas.
A segunda página, já descrita no roteiro acima, apresenta o quadro de impacto de Caligari pequeno, numa perspectiva distorcida, diante da enormidade da burocracia.
A página 3 é dominada pela figura esguia de Cesare. A magreza e altura atípica do personagem orientam a leitura, que ganha foco no rosto fantasmagórico do sonâmbulo. Os personagens normais são eclipsados por essa figura distorcida.
A página 4 é centralizada pela figura de Jane, como se os fatos refletissem dela. Ao fitar a página, o leitor tem seu olhar magnetizado pelo olhar assustado de Jane e sua figura, em sépia azul. A tendência do olhar é correr na direção do último quadro, em que Cesare agarra Jane, sequestrando-a.
Esse caos da diagramação reflete o caos interno dos personagens, suas angústias e inquietações, no que poderia ser considerado um equivalente quadrinístico da técnica expressionista.
Avançando, na página 6 temos a prisão de Caligari. Ele se contorce e grita, lutando com os médicos. Vista em oposição à página seguinte, vemos que ela se reflete no quadro 4 da página 7. Ali é o narrador que é preso e repete a mesma posição de Caligari, como se fossem duas faces da mesma moeda: num lado a racionalidade, no outro a loucura. Como o lado racional é na verdade uma narrativa distorcida, uma falsa racionalidade, esse contraste cria uma inquietação no leitor que nos lembra o conceito de obra aberta, de Umberto Eco, que pretende renovar nossa percepção e nosso modo de compreender as coisas.
    Na página 7 há um diálogo, não existente no filme, que pretende destacar exatamente a crítica ideológica do filme, pensada originalmente pelos roteiristas (Janowitz e Carl Mayer). Alan pula sobre Caligari e grita: “Tolos! Não percebem? Ele planeja nosso destino!”.
A fala é uma referência direta à interpretação de Kracauer, segundo o qual Caligari antecipa Hitler e o nazismo. Assim, se por um lado respeitamos a moldura introduzida por Fritz Lang, por outro destacamos a crítica social e política imaginada pelos roteiristas.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Oficina de roteiro com Gian Danton

 

Amanhã estarei no Museu da Imagem e do Som (2o piso do Teatro das Bacabeiras) ministrando uma palestra sobre roteiro para quadrinhos com foco na produção de textos e diálogos. A oficina é gratuita e qualquer um pode participar. Não é necessário fazer inscrição.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O texto nos quadrinhos

Há dois aspectos que se deve considerar ao escrever o texto numa história em quadrinhos. E, quando falo de texto, vale tanto para legendas quanto para diálogos.
O primeiro deles é que quadrinho não é literatura. O texto quadrinístico só existe em íntima coesão com a imagem. O roteirista deve pensar visualmente, imaginar como seu texto vai interagir com os desenhos e que tipo de impressão essa junção vai causar.
O segundo aspecto é que o roteirista deve saber quem são os personagens. O ideal é que até mesmo os personagens secundários tenham uma história. Quem são eles? Quais são suas motivações, quais são os seus medos, quais são suas esperanças? Há alguma história de vida que podemos contar sobre esse personagem e que ajudem a mostrar ao leitor quem é essa pessoa?
Essas duas preocupações sempre dominaram minha produção de roteiros. Exemplo disso é a história O farol, publicada pela editora Nova Sampa e, posteriormente, na editora norte-americana Phantagraphics, com o nome de Beach Baby.
Na história um casal está na praia quando vê surgir um farol. Eles entram no local para investigar e acabam se perdendo um do outro. A sequência que apresento abaixo mostra o momento em que o rapaz se perde da namorada, e se vê em local totalmente escuro, sendo dominado pelo medo. 
Eu e Joe Bennett trabalhávamos com o marvel way, um método que só funciona se o desenhista for um narrador nato, como é o caso do compadre. Nós discutíamos a história, ele ia para casa, fazia um rafe das páginas e me trazia. Era sempre um desafio escrever o texto, pois ele conseguia contar tudo só com imagens. Isso exigia o máximo do roteirista.
No caso dessa página, o que escrever? O desenho já explicava facilmente a situação: o rapaz estava perdido e entrando em desespero.
Não fazia sentido colocar o rapaz falando sozinho. Embora esse seja um recurso usando em algumas HQs, a verdade é que só malucos falam sozinhos.
Assim, preferi trabalhar os pensamentos do personagem, mas explicitados por um narrador em terceira pessoa, para conseguir o efeito desejado.
Reparem que o texto começa contando um detalhe sobre o personagem, uma pequena história da vida dele, mas segue num crescendo até a conclusão final. O texto do último parágrafo encaixa perfeitamente com a expressão do personagem, conseguindo um efeito tanto de impacto quanto de ironia.
Reproduzo abaixo o texto:
“Fábio”
“Fábio”
“Fábio”
Ele repete o nome para si milhares de vezes.
Uma vez ele conheceu um ocultista, um homem  de óculos grosso e estante cheia de livros.
O homem disse que o nome de cada pessoa é um mantra para si mesmo.
Palavras sagradas que, repetidas várias vezes, trazem calma e paz de espírito.
Com Fábio isso não deu muito certo.

War – histórias de guerra


Quando fui convidado por Franco de Rosa para reescrever as histórias do volume War – histórias de guerra (com histórias escritas por Luís Merí e publicadas na década de 1960) imaginei que estaria cometendo uma espécie de sacrilégio. Afinal, sempre fui fã de Colonesse  e apreciava seus desenhos até nos livros didáticos. Tenho até hoje um livro de filosofia da FTD que, apesar do conteúdo fraco, foi guardado apenas por causa das ilustrações do mestre. Algumas semanas depois, quando o pacote com as histórias finalmente chegou à distante Macapá, pude ler as histórias e perceber que, de fato, elas não funcionavam para o leitor atual. Algumas tinham problemas estruturais, de com tradições internas, mas a maioria simplesmente apresentava uma narrativa datada,  típica de uma época em que desenho e texto eram redundantes.
Nesse período, minha mulher viajou com meus filhos e isso me permitiu algumas extravagâncias. Entre elas, escrever à noite (ao contrário de 99% dos escritores, eu não sou notívago).
Lá estava eu, com um monte de histórias prontas, que eu não havia escrito me perguntando o que poderia fazer. Decidir começar pelas mais difíceis, ou seja, pelas que apresentavam mais problemas, o que me deixaria mais à vontade para mexer nas outras. “Paredão” e “Granja” se encaixavam nesse perfil.
Alan Moore diz que o escritor deve “entrar” no personagem e no clima da história para conseguir repassar algo ao leitor. Como posso querer que meu leitor sinta medo se eu não sinto medo enquanto escrevo? Como querer que o leitor sinta o mesmo que o personagem se eu não sinto? Assim, cada vez que escrevo uma história, me vejo sendo possuído por seus  personagens.
Para escrever “A Granja” eu me imaginei como uma mulher vivendo em plena guerra que viu seus pais serem assassinados. Tive pesadelos com isso, com as explosões, a guerra e a crueldade nazista.
A experiência me mostrou algo que hoje considero óbvio: a protagonista Anita havia enlouquecido, embora o texto original não fizesse nenhuma menção a isso. Para demonstrar essa loucura, usei no texto a sinestesia, uma figura de linguagem em que os sentidos se misturam: cheirar cores, ouvir cheiros, etc.
Eu havia decidido que “Paredão” seria uma história romântica. Imaginei a protagonista, já velhinha, contando para alguém a história do amor de sua vida.
Para entrar no clima, peguei todos os CDs românticos que tinha em casa e os ouvi enquanto lia, preparava aulas, corrigia trabalhos ou produzia o texto para a história. Uma música de Roberto Carlos particularmente me chamou atenção: “A estação”. A música era narrada em tempo real e falava de um homem cujo amor de sua vida vai partir em um trem. A indecisão da mulher e a tristeza do homem eram mostrados com perfeição: “Para não me ver mais triste ainda ela sorriu, me olhou nos olhos, me beijou, depois saiu. Caminhou com passos calmos e parou. Me acenou mais uma vez, depois seguiu”. Era esse clima de separação que eu pretendia passar na história. Eu estava curioso para saber qual seria a reação à minha visão romântica da guerra e ainda estou.
Essas duas HQs me deram o parâmetro que eu deveria seguir nas outras e são minhas prediletas.

Nota: Essas histórias reescritas por mim e desenhadas pelo Colonnese foram publicadas no álbum War – histórias de guerra, da editora Opera Graphica em 2003. Foi uma edição de colecionador, numerada e autografada pelo desenhista exemplar a exemplar. O álbum inclui também uma história inédita, escrita por mim e desenhada pelo Colonnese  sobre a guerra do Iraque chamada “O gato e o rato”.  Um lindo trabalho a lápis que mostrou aquilo que os fãs do desenhista já sabiam: ele só melhorara com os anos.  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Pequenas obras-primas

Dia desses ouvi de uma pessoa que quer fazer quadrinhos que é impossível fazer uma boa HQ com menos de 12 páginas. Na hora eu me lembrei de uma frase do editor Franco de Rosa. Na época existiam revistas mix, como a Calafrio, que publicavam histórias curtas. Eu reclamei com o Franco que era difícil fazer uma boa história em 6 páginas. Ele me respondeu: Will Eisner fazia obras-primas com 6 páginas.
É verdade. As histórias do Spirit tinham 6 páginas e eram todas geniais, tanto em termos de roteiro quanto de desenho. Eram HQs tão boas que mudaram a cara dos quadrinhos, mostrando até onde podia ir a linguagem.
Não é o único exemplo. A EC Comics, na década de 1950 fazia histórias de terror e ficção-científica com 7 ou 8 páginas e o nível era altíssimo. Era uma das melhores coisas feitas na época.
Na década de 1970 um dos maiores sucessos no Brasil era a revista Kripta, que reunia histórias curtas de terror, fantasia e FC, todas com menos de 10 páginas. O nível alcançado por essa revista raramente foi ultrapassado. Os roteiristas conseguiam em 7 ou 8 páginas fazer histórias complexas, personagens com profundidade psicológica e textos poéticos.
São só alguns exemplos. Mesmo no caso de histórias seriadas há muitas que tinham capítulos curtos auto-contidos. Miracleman, por exemplo, era pulicada na forma de capítulos auto-contidos. Se você lesse um capítulo, entendia.
Na minha época ninguém se transformava em quadrinista sem aprender a arte da síntese.
Hoje, toda uma geração está crescendo lendo mangás que nunca acabam ou mega-sagas da Marvel e da DC em que o roteirista leva 600 páginas para contar uma história que um roteirista realmente bom, como Alan Moore, contaria em 20 páginas.
Está surgindo uma geração de quadrinistas que perdeu a capacidade da síntese. Lamentável.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Muiraquicon

Sou um dos convidados especiais. Vai ter palestra e oficina minha sobre roteiro. São apenas 15 vagas para a oficina, então inscreva-se logo (a inscrição pode ser feita no site do evento)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Como é feita uma página dos Exploradores do Desconhecido

Tudo começa, obviamente, no roteiro: a alma da HQ! Escolhi para este making of a página 3 de Operação Salto Quântico. Não porque a considere a melhor, mas apenas porque é uma das poucas páginas que ainda tenho no lápis, e assim posso mostrar a vocês o processo. Quando comecei o trabalho, eu desenhava as páginas numa folha sulfite e depois passava tudo a limpo numa outra folha, onde fazia arte-final. Parei com esse processo quando entendi que estava praticando uma forma lenta de suicídio. Hoje eu faço tudo na mesma folha.
Cada roteirista trabalha de um jeito diferente. Alguns escrevem roteiros bem detalhados, que descrevem até uma folhinha de árvore caída no chão. Outros pegam mais leve nas descrições – geralmente quando o roteirista sabe quem vai desenhar sua história e confia nele. Penso que estamos no segundo caso, pois como vocês podem ver o roteiro que o Gian Danton escreveu para mim é bem sucinto: Leia mais

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