quarta-feira, 16 de março de 2011

Entrevista com Marcos Franco

Marcos Franco é um dos grandes roteiristas da nova geração. Apesar de estar pouco tempo na estrada, ele foi o ganhador do Ângelo Agostini deste ano como melhor roteirista. Conheça um pouco mais desse grande talento bahiano. 
 
Como você começou a ler quadrinhos? 

Comecei a ler quadrinhos aos 6 ou 7 anos. Tive uma criação bastante rígida, por vezes até violenta, meus pais não me deixavam sair muito de casa, na maior parte do tempo eu vivia recluso em um quarto e os quadrinhos eram a minha única companhia.  Os gibis eram o meu mundo particular, meu universo de fantasias que ajudavam a transpor as paredes daquela “prisão”. Lembro que uma das poucas pessoas com quem meus pais me deixavam sair era a minha avó. Eu era o único neto homem e ela fazia todas as minhas vontades, uma delas era comprar quadrinhos, praticamente toda semana nós íamos às bancas e sebos do centro comercial da minha cidade. Pois é, a “válvula de escape” para um drama pessoal vivido na infância acabou por se tornar a minha maior paixão.

Os quadrinhos foram para você uma espécie de terapia? Pode dizer que os quadrinhos o salvaram? Tive a mesma impressão ao ver o documentário sobre o Crumb. Vendo a família dele, percebemos que ele não enlouqueceu por causa dos quadrinhos.

Digamos que sim. Bom... Comigo não chegou a ser tão barra pesada, mas confesso que ainda tenho certos bloqueios por conta dessa criação. Meus pais eram dogmáticos, tinham uma disciplina dura e inflexível, não era permitido discordar de sua autoridade ou questioná-la. 
Meu pai, homem rude e simples do campo, não tinha muito trato na educação dos filhos, para ele a violência era sempre a melhor pedagogia. Já a minha mãe era aquele tipo superprotetora,ela entendia o significado da palavra proteção de uma forma um tanto exagerada. Ficava de plantão o  tempo todo, não me deixava sair, controlava minhas amizades e tudo que por ventura podesse me corromper ou causar mal (era o que ela pensava). Sei que eles faziam isso com a melhor das intenções, no entanto acho que isso me prejudicou mais mais do que ajudou.

Quais eram os gibis que a sua avó comprava para você?
Minha avó e também os meus pais (às vezes) compravam coleções e títulos avulsos de diversas editoras e gêneros. Eu tinha uma coleção bastante razoável (hoje ela é bem maior) e a molecada do bairro costumava ir sempre lá em casa só para trocar gibis. Eles costumavam me comprar títulos variados do terror nacional (a muito contra gosto), muita coisa Marvel/DC das editoras EBAL, Bloch, RGE e Abril e bastante quadrinho infantil. Lembro-me com saudosismo de revistas como Os Trapalhões, Riquinho, Bolinha e Luluzinha, Bolota, Recruta Zero, Mortadelo e Salaminho, Os Tutti Frutti, Cacá, Pantera Cor de Rosa e Popeye. Ainda guardo com carinho algumas delas.

Quais foram os autores que te influenciaram? 

 Têm vários. A maioria das influências em roteiro é mesmo nacional. Vale citar os principais: Júlio Emílio Braz, Ataíde Braz, Elmano Silva, Ota, Rubens Francisco Lucchetti, Luís Meri, E. C. Nikel, Carlos Patati e um certo Gian Danton. Durante as décadas de 70 e 80 eu acompanhei praticamente tudo o que essas lendas vivas do quadrinho nacional produziram para editoras como Grafiphar, Vecchi, ICEA, Press Editorial, D-Arte e Bloch. Ah! Bons tempos aqueles...

Como você começou a escrever quadrinhos? 

 No ano de 1991 aconteceu um seminário sobre quadrinhos na Universidade Estadual de Feira de Santana organizado pelo pessoal da saudosa revista em quadrinhos baiana “Pau de Sêbo”. Quando soube não contei dois tempos, chamei um colega que também curtia quadrinhos e me mandei escondido para o evento. Aquele foi um acontecimento mágico e inesquecível para mim, na oportunidade tive o prazer de conhecer nomes como Paulo Setúbal, Lage, Caó Cruz e o mestre Antonio Cedraz (grande ídolo e amigo). Inspirado por essa turma e motivado pelo sucesso do IQI (hoje QI) do Professor Edgard Guimarães, em 1995 publiquei o meu primeiro fanzine. Foi através dessa publicação que dei o pontapé inicial como roteirista de quadrinhos.

Como foi ganhar o Ângelo Agostini? Você já esperava? 

 Eu fiquei um tanto surpreso e contente pela premiação. Foi realmente muito gratificante ser homenageado por uma das mais tradicionais premiações do quadradinho nacional e ter o trabalho reconhecido após quinze anos de produção independente. Eu sempre sonhei com uma premiação desse tipo. Imaginei diversas vezes momentos como esse, durante esse período em que produzo quadrinhos. Essa premiação é sem sobra de dúvida um grande marco e um importante divisor de águas na minha trajetória como roteirista. Daqui pra frente o meu trabalho será mais respeitado e com certeza muito mais cobrado.Disso eu não tenho dúvida.

O trabalho que provavelmente deve ter lhe garantido o prêmio foi Lucas da Feira. Fale um pouco sobre esse trabalho. 

 Verdade. A idéia da criação do álbum surgiu há alguns anos, muito embora desde a infância possuísse grande fascínio pela figura do lendário escravo Lucas da Feira. Na verdade eu sempre tive uma relação bastante próxima à cultura popular da minha região e as coisas ligadas ao campo. Costumava ouvir dos mais velhos “causos” e histórias sobre todos esses mitos do sertão, sobretudo a seu respeito. Foram essas lembranças que me levaram a pesquisar e transportar ao universo dos quadrinhos sua polemica história. Comecei a parte de pesquisa no finalzinho da década de noventa, na oportunidade entrevistei o pesquisador Joaquim Gouveia Gama e li o romance biográfico “Lucas, o Demônio Negro”, de Sabino de Campos. Já na segunda etapa, toda ela realizada em parceria com Marcelo Lima (grande amigo e também parceiro na idealização do roteiro do álbum) teve inicio em 2008 e durou pouco mais de um ano. Durante esse período, consultamos cordéis, a dissertação de mestrado da professora Zélia de Jesus Lima e realizamos uma nova série de entrevistas com pesquisadores, historiadores e anciões da zona rural de Feira de Santana. Após a conclusão da parte de pesquisa e execução do roteiro escrevemos (Marcelo e eu) o projeto no edital Microprojetos Mais Cultura doSemiárido, que viabilizou a publicação obra.

Uma outra obra sua bastante conhecida é a Penitência. Como foi a gênese dessa personagem? 

A idéia da criação da personagem surgiu em meados da década de 90. Ela fez sua estréia a exatos quinze anos, na edição primeira do fanzine New Heros. Na época eu já havia criado vários outros personagens, mas nenhum deles havia emplacado da forma prevista, obviamente pelo fato de serem apenas meras cópias dos enlatados Norte-Americanos. Foi aí que tive a sacada de abordar o gênero Comic de uma forma diferente. Notei que os personagens misteriosos, sombrios e com poderes sobrenaturais despertavam certo fascínio no leitor, então decidi criar uma personagem que seguisse essas vertentes. A Penitência também surgiu como um reflexo da minha postura filosófica de vida. Sou adepto do deísmo, uma filosofia que admite a existência de um Deus criador, mas questiona as denominações religiosas e as chamadas revelações divinas.

Cite 10 quadrinhos que um roteirista deve ler. 

Certa feita um mestre do quadrinho nacional fez a seguinte declaração: “Um bom roteirista tem que ler de tudo, não pode se prender a uma única influência.” Eu concordo com ele em gênero número e grau.  Um bom roteirista tem que beber em várias fontes e assimilar o melhor de cada uma delas. Seguindo essa linha de pensamento o meu “top 10” de leitura obrigatória fica da seguinte forma: No Coração da Tempestade, de Will Eisner; Asterix,de Goscinny; Watchmen e O Monstro do Pântano, de Alan Moore; Sandman, de Neil Gaiman; Companheiros do Crepúsculo, de François Bourgeon; Batmam - O Cavaleiro das Trevas, de  Frank Miller e Klaus Janson; Maus - A História de um Sobrevivente, de Art Spiegelman; O Trio Diabólico e O Homem do Patuá, Elmano Silva (Mano) e por fim, Mortadelo e Salaminho do espanhol  Francisco Ibáñez.

Que livros você indicaria para um roteirista iniciante?
Independente de gênero ou temática a literatura é bastante importante para um roteirista iniciante, pois ela enriquece a sua compreensão do mundo e ajuda na criação de roteiros mais embasados e profundos. Sugiro que não se apegarem apenas a leitura de HQs, porque em certos momentos ficaram limitados. Minha dica de livros servirá em especifico ao quesito “técnica”. Eu indico “Roteiro – Os Fundamento do Roteirismo”, de  Syd Field, “Quadrinhos e Arte Seqüencial” do Will Eisner, “Desvendando os Quadrinhos”, de Scott McCloud e o seu O roteiro nas Histórias em Quadrinhos , publicado pela editora Marca da Fantasia.
 
Quais características um bom roteirista deve cultivar? 

 As caracteristicas basicas de um bom roteirista são a compulsão pela perfeição, visão crítica, percepção estética e  uma grande paixão pelo que faz. Um bom roteirista também deve ter uma boa dose de originalidade, poder de persuasão, raciocínio lógico, amplo repertório literário e bastante autocrítica. Para que se possa aprender e crescer em qualquer profissão é preciso ter capacidade de fazer autocrítica, debater e principalmente ter a humildade de tirar dúvidas quando necessário.

Como é o seu processo de criação? Como você estrutura o roteiro? Como é a sua relação com o desenhista? 

 Não tem muito mistério. Eu normalmente elaboro o roteiro a partir do argumento, transformando esta idéia em um texto estruturado com diálogos e cenas. Começo com a mentalização do enredo e depois passo as idéias para o papel (digo, PC) na forma de uma sinopse onde narro em ordem cronológica todo o enredo da HQ. Em seguida, faço a decupagem e desfragmento o texto definindo a quantidade de páginas e quadros por página. Por fim, realizo uma pesquisa sobre os temas abordados no roteiro e elaboro as legendas e diálogos. Já a minha relação com o desenhista é bastante é tranquila e sem neuras, costumo dar liberdade para “ele” interagir com o roteiro, alterar planos, enquadramentos e até mesmo cenas por completo. 

sábado, 12 de março de 2011

Capa do livro Spectra

A editora Literata já divulgou a capa da antologia Spectra, com histórias sobre fantasmas. Eu participo com o conto Lembranças de sangue. A edição deve  sair em abril

domingo, 6 de março de 2011

Entrevista com Wilde Portella

Wilde Portella é um verdadeiro mestre num gênero de roteiro pouco praticado pelos brasileiros: o faroeste. O gibi do Chet, criado em parceria com o irmão Watson Portella foi um grande sucesso no final da década de 1970 e início dos anos 1980, pela editora Vecchi. E o personagem está de volta para conhecer o Blog do Chet, clique aqui).
Wilde aceitou responder algumas perguntas sobre sua experiência como roteirista.


Como você começou a se interessar por quadrinhos? O que lia quando era criança?
Comecei a me interessar por histórias em quadrinhos justamente quando criança e lia as revistas do Pato Donald, O Guri, O Pequeno Xerife e Texas Kid (O Tex Willer), e muito depois Zorro, Jerônimo, O Herói do Sertão, etc.
Quais foram os roteiristas que o influenciaram?
Acredito eu nenhum roteirista me influenciou. Porém, a partir do momento em que comprei o número um de Epopéia Tri, tive uma visão diferente das histórias em quadrinhos que abordam o tema do faroeste. Depois passei a ler Tex e acredito que tive alguma influência com a fórmula do G.L. Bonelli escrever seus roteiros. Os italianos sempre foram melhores em lidar com o Velho Oeste seja no cinema ou nos quadrinhos.

Como você começou a escrever quadrinhos? Qual foi o seu primeiro trabalho profissional?
Meu primeiro trabalho profissional foi uma revista que tinha o título de O Águia, escrita por mim e desenhada por Watson Portella. Foi feita para uma editora lá de Alagoas, em Arapiraca. Foi um fracasso total, pois foi feito BA base do velho clichê que a nova geração nem conhece, e fotolito para fotografar as páginas. Nem eu nem meu irmão ficamos com uma revista para mostrar para a posteridade. A personagem era um herói mascarado e com capa que lutava contra os nazistas. Quer dizer, um tema batido e já abordado por diversas vezes nas revistas Capitão América e Os Falcões. Assim escrevi meu primeiro roteiro. Mas quando criança, com 11 e 12 anos eu e Watson já produzíamos nossas “revistas” (desenhos e histórias) em velhos cadernos escolares ou em material que nosso pai trazia da Prefeitura onde era Auditor.
O personagem pelo qual você é mais lembrado é o cowboy Chet, talvez o único faroeste nacional que fez grande sucesso. como foi o processo de criação desse personagem?
Caramba! Já respondi essa pergunta umas quinhentas vezes. Chet foi feito por encomenda do Lotário Vecchi na época em que o Otacílio D’Assunção Barros era editor da Vecchi. Então houve todo aquele processo. Começamos com seis capítulos como complemento da revista Ken Parker. Como a aceitação foi boa logo ganhou revista própria e chegou a ser a segunda HQ mais vendida da editora. Só perdendo, claro, para o Tex do Bonelli.

Além de Chet, que outros trabalhos você  destacaria?
Destacaria diversos trabalhos que fiz para o jornal Diario de Pernambuco, Grafipar, Portugal e EBAL. Mas o material que sinto mais orgulho é O Caçador de Esmeraldas que fizemos para a Editora Brasil América. Nós mudamos a fórmula de fazer álbuns paradidáticos. Usamos uma linguagem cinematográfica e funcionou.

Como é a sua relação com o desenhista? Como você escreve o roteiro? Faz full script, marvel way ou rafeia?
Seguinte: Eu escrevo um roteiro meio cinematográfico, com legendas e balões e indicando como fica a cena. Então o desenhista acompanha esse meu raciocínio e atualmente faço questão de ver como ficou a página no lápis. Se ficou bom,ok, caso contrário oriento o desenhista que também pode ficar à vontade para colocar uma cena melhor que a sugerida por mim.
Já teve problemas com desenhistas?
Não, nunca tive problemas com desenhistas. Na época da Vecchi quem cuidava dos desenhistas era o OTA. Eu só mandava a história com 100 páginas e ele se virava. Para que o projeto desse certo chegamos a preparar três revistas com antecedência. E atualmente trabalho com amigos e jovens desenhistas que, por incrível que pareça são fãs do Chet.
Que conselhos você dá a um roteirista iniciante?
Conselho nenhum. A arte de escrever um roteiro tem que estar dentro da pessoa. O que poderia dizer é que sempre caprichem nas histórias. Uma boa história faz com que o desenho ganhe vida. Não adianta um ótimo desenho com uma história ruim. E se o roteirista souber rafear, melhor ainda. Eu sei, mas prefiro escrever.
Eu sempre digo que um dos defeitos do pessoal que quer ser roteiristas é ler só quadrinhos, Que livros você indicaria como leitura obrigatória para um roteirista?
Há livros que podem ajudar o roteirista sim, como por exemplo, numa história longa é necessário ter tramas paralelos. Numa história curta o foco principal pode ser as personagens centrais. O roteirista não deve se guiar apenas em histórias em quadrinhos. Um livro que acho interessante são aqueles que utilizam uma linguagem coloquial o que acontece geralmente num bom romance. Já uma novela escrita para livro não ajuda muito. Os livros Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marques), Isabel de Minha Alma (Isabel Allende) e segue por aí. O candidato a roteirista deve le, no entanto, o autor que ele achar melhor. Quando a mim, leio de tudo, biografias, ensaios, romances, vovelas e contos.

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