terça-feira, 28 de julho de 2009

Manticore: análise do processo de criação de uma graphic novel

Introdução

A bibliografia nacional a respeito do processo de criação do roteiro de uma história em quadrinhos é praticamente inexistente e o pouco que há escrito e publicado é, na sua maior parte, de autoria de estrangeiros. Talvez isso se deva ao fato de que o roteiro sempre foi um aspecto menos valorizado nas pesquisas a respeito da arte sequencial. Poucos pesquisadores se interessaram em entender a dinâmica e o funcionamento de um roteiro de quadrinhos.
Essa carência de estudos tem se refletido na atividade produtiva, pois a acumulação de experiências e sua transmissão a novos talentos têm sido a base das principais escolas de quadrinhos, seja a americana, a argentina, a européia ou a japonesa. No Brasil, ao contrário, cada geração é obrigada a “reinventar a roda”. Assim, o que me proponho aqui é fazer uma análise do processo de construção de um roteiro de HQ. O objetivo é o mesmo que levou Edgar Allan Poe a escrever o texto Filosofia da Composição, análise do seu poema O Corvo:
“Muitas vezes pensei o quão interessante podia ser escrita uma revista por um autor que quisesse - isto é, pudesse - pormenorizar, passo a passo, os processos pelos quais qualquer uma de suas composições atingia seu ponto de acabamento.”
A escolha do objeto recaiu sobre a história Chupacabra, graphic novel em duas partes publicada como Manticore Especial, pela editora Monalisa, de Curitiba. A história é de minha autoria (com pseudônimo de Gian Danton) em conjunto com o desenhista Antonio Eder Semião. Se por um lado tal escolha peca por falta de distanciamento, já que o roteirista é também o analista, ganha-se em detalhes do processo de construção da obra, o que por si só justifica a escolha.
Como não é possível, num espaço tão curto, fazer uma análise abrangente da HQ, será dada prioridade a alguns aspectos, tais como criação de personagem, gancho, trama, suspense e forma.
PERSONAGENS

A história Chupacabra surgiu da iniciativa de um editor de Curitiba, que pretendia lançar uma revista em quadrinhos aproveitando a popularidade do personagem. Ele chegou a produzir um esboço no qual uma nave espacial caía na Terra e dela saía um extraterrestre. A sequência mostrava o ET pensando se deveria ou não sugar o sangue de uma ovelha.
Nossas considerações partiram desse esboço. Primeiramente decidimos que, se a história deveria seguir uma linha de suspense e ficção científica, não convinha mostrar o ET pensando. Isso por duas razões. A primeira delas referia-se ao fato de que seria impossível, ou muito difícil, reproduzir a lógica do pensamento de um extraterrestre. Uma tentativa nesse sentido corria o risco de cair no ridículo, o que não era nosso objetivo. A segunda razão é que queríamos deixar em suspense a origem da criatura, incitando a imaginação do leitor e criando um gancho para o segundo capítulo da história. Tudo isso nos levou a uma opção por um discurso indireto para a criatura, como pode ser percebido no texto inicial, que, aliás, destaca justamente a dificuldade em se reproduzir o discurso de um ser não humano:
“ Este não é o seu mundo. Ele não entenderia nosso raciocínio e sua lógica seria tão estranha para nós quanto um quebra-cabeça caótico. Ele não é deste mundo. Mas se falasse nossa língua, suas preocupações poderiam ser resumidas em uma única palavra... fome.”
Entretanto, precisávamos de um personagem que fosse o fio condutor da história. Alguém com quem o leitor pudesse se identificar e compartilhar de suas dúvidas. Optamos, então, pela criação de um detetive, Milton Flamel, que seria contratado para descobrir o animal. Embora não seja nosso objetivo fazer uma análise da história do ponto de vista da teoria da literatura, podemos recorrer à classificação de Norman Friedman para a caracterização da narração a partir do ponto de vista do detetive. Nosso personagem se encaixaria, assim, no modo narrador-testemunha.
A personalidade do detetive é apresentada na primeira fala, quando ele se diz céptico. Isso servia a nosso propósitos, uma vez que pretendíamos incutir a dúvida na cabeça do leitor, fazendo-o perguntar: “Quem, ou o que é o Chupacabra?” e, finalmente “Ele realmente existe, ou é uma fraude?”.
Mas, como pretendíamos realizar uma graphic novel e uma das características desse tipo de obra é a profundidade no tratamento dos personagens, convinha que o personagem não fosse bidimensional. Assim, ele também tem seus momentos de crença. Quase sempre, quando pensa no Chupacabra, ele o faz em referência a algum personagem mítico típico das histórias infantis:
“Quando criança, eu nunca acreditei em Papai Noel ou no Coelhinho da Páscoa. Eu ria de quem me falava em Bicho-Papão. Eu sabia que não havia nada embaixo da cama... nada dentro do armário. Nenhum segredo... Nenhum mistério. Eu sempre acreditei em meus olhos. Mas agora... mal consigo acreditar... em meus olhos. “
Embora identifique a criatura que está perseguindo com um pesadelo infantil (ele inclusive sonha com o Chupacabra), ele teme que seus sonhos se tornem realidade.
Há uma certa regra não formulada de que os personagens principais devem aparecer nas primeiras páginas da história. Assim, depois do Chupacabra e do detetive, providenciamos a aparição do fazendeiro (O Coronel) e do velho (Nicolau Batzin).
Devo admitir, quando criamos esses dois personagens, não tínhamos a menor idéia da importância que eles teriam na trama, em especial na segunda parte da história. Eles surgiram por uma pura questão de conveniência. O fazendeiro era o motivo para que o detetive saísse à caça da criatura. Precisávamos de alguém que contratasse o detetive e, no processo de elaboração do esboço, à medida que discutíamos os personagens, percebemos que o fazendeiro seria um ponto chave na trama e decidimos colocar um gancho ali, em sua primeira aparição, para de certa forma avisar o leitor disso.


O velho surgiu porque precisávamos de alguém para contracenar com o Chupacabra. Alguém humano e cujas reações fossem previsíveis para nós. A sua própria presença nos permitiria trabalhar a criatura mais próxima de algo humano. Além disso, o velho nos permitiria deslocar o Chupacabra para Curitiba, um cenário que conhecíamos melhor.

GANCHOS
A aparição desses dois personagens dá origem aos primeiros ganchos da história. Numa HQ os ganchos são aqueles fatos aparentemente irrelevantes, mas que acabam “puxando” acontecimentos importantes. Eles funcionam como uma espécie de aviso ao leitor. No caso de uma história policial, por exemplo, o gancho pode ser aquele momento, aquele acontecimento que deverá ser usado pelo detetive, mais tarde para desvendar o mistério. Seria desonesto o detetive descobrir quem é o criminoso graças a fatos que o leitor desconhece. Numa história de aventuras, por exemplo, o herói está preso no meio do inimigo, prestes a ser sacrificado. Então aparecem seus amigos e o salvam. Seria desonesto para com o leitor se esses amigos do herói aparecessem apenas nesse momento. O bom roteirista os introduziria anteriormente na trama e os faria sair da história, com a recomendação de que voltariam a qualquer momento. Assim, quando eles aparecessem para salvar o herói, o leitor não se sentiria lesado.
Na primeira aparição do fazendeiro, temos o primeiro gancho da HQ. O detetive percebe que o fazendeiro é, na verdade, um militar e esse fato tem importância significativa na história. Estrategicamente, essa cena foi colocada nas primeiras páginas, antes de uma cena de ação, para que o leitor se esquecesse dela.
O segundo gancho é aparição do velho Nicolau. Ele conduz a criatura para sua casa e lhe mostra um livro no qual há um desenho de uma espécie de dragão. A cena conota que há uma explicação mítica para a criatura.
Esses dois ganchos dão conta de dois aspectos importantes da trama: 1) qual a origem do Chupacabra; 2) porque e por quem ele está sendo perseguido.
Outros ganchos são acrescentados a seguir. Na página 8 aparece um helicóptero não identificado. Na página 10 alguém liga para Nicolau e diz: “Soube que você está vindo para Curitiba e está trazendo companhia. Talvez a coisa seja maior do que imaginávamos”.
Claro, todos esses ganchos não trazem informações suficientes para que o leitor decifre toda a trama. Na verdade, eles servem mais para incitar a curiosidade do mesmo. Mas eles permitem também algumas conclusões. Permitem, por exemplo, que se deduza a existência de dois grupos interessados na criatura, um formado por místicos, outro por militares, ou para-militares. Permitem que se perceba a existência de outros Chupacabras e nos conduzem a uma possível explicação mítica para a existência da criatura.
O objetivo é que, ao se deparar com uma situação importante e, de certa forma, inusitada, o leitor volte ao momento do gancho e diga algo como “Oh, sim. Claro. Como não percebi isso antes?”. As melhores histórias, as tramas mais trabalhadas têm essa característica de adiantar ao leitor o seu próprio encaminhamento.

SUSPENSE
Um outro aspecto que se torna importante na história é a questão do suspense, já que essa era a principal sensação que queríamos incutir ao leitor. Embora tenhamos procurado trabalhar situações de suspense em toda a trama, a maior carga de suspense, no primeiro capítulo, pode ser encontrada no final, quando o detetive finalmente confronta-se com o Chupacabra. Nessa situação nós brincamos com os nervos do leitor, fazendo-o ficar, primeiramente tenso e depois relaxado, para só depois desencadear a ação.
Quando o detetive está dentro do carro e ouve o barulho lá fora, o leitor sabe, ou imagina saber, que algo vai acontecer. Entretanto, como a sondagem se revela infrutífera, o leitor se deixa convencer pelo texto, passando a acreditar que não existe mais perigo.
Surpreender o leitor é uma das regras das histórias de suspense e isso ocorre quando o Chupacabra aparece refletido no espelho do carro.


Nós, então, enganamos novamente o leitor, fazendo-o acreditar que a criatura foi morta. Para isso, usamos um artifício maroto: nós simplesmente não mostramos os eventos que estão sendo narrados. A narrativa visual foca-se no detetive e o leitor é obrigado a acreditar na sua versão dos fatos. Com isso exploramos ao máximo as possibilidades tanto do texto, quanto do desenho, fazendo com que esses não sejam redundantes.
Dessa forma, criamos o efeito de suspense. Para Isaac Asimov, “o que é necessário para que haja suspense é uma ‘insuficiência de informações’”. Assim, o leitor se sente aflito não porque o personagem vai ser morto, mas porque não sabe se ele irá morrer ou se salvar. É essa falta de informação que cria o suspense da cena e o fato de não se mostrar o Chupacabra amplia ainda mais o efeito.
Asimov, entretanto, lembra que “tanto a falta de conhecimento quanto o conhecimento total acabam com o suspense”. Em outras palavras, se o leitor não soubesse que o personagem corre perigo, não haveria suspense. O leitor precisa, portanto, ser avisado de que a situação é perigosa. No cinema isso é feito através da trilha sonora, que providencia um clima de tensão para a cena. Na HQ, como não há trilha sonora, esse efeito é conseguido através do texto.
No outro extremo estaria o leitor que tivesse certeza a respeito da morte do detetive. Esse também não experimentaria qualquer suspense. Embora a maior parte das pessoas tenha gostado do final, um amigo meu criticou-o duramente. Para ele o final era previsível.
A razão disso é simples. Ele já havia lido muitas de minhas histórias e sabia de minha compulsão por matar os protagonistas de minhas histórias. Assim, ele já esperava a morte do personagem, sendo o final redundante para ele, enquanto o mesmo final é informativo para a maioria dos leitores...

O TEXTO
Depois de analisar os aspectos mais relacionados ao conteúdo, nos deteremos aqui sobre os aspectos da forma, aqui entendida como a maneira como se constrói o texto e os diálogos.
Uma simpática jornalista belenense, resenhando a publicação, escreveu: “ ‘Chupacabras’ traz sequências bem construídas e diálogos cuidadosamente encadeados”.
Como disse, muito simpática, pois me atribuiu um talento que não tenho, ou seja, de construir bons diálogos. Esse defeito fez com que a história tivesse predominância de textos. É natural que um escritor trabalhe suas limitações, transformando-as em qualidades. Alexandre Dumas recebia por linha e, por isso escrevia monumentais e inesquecíveis romances. Borges, sendo cego, precisava construir mentalmente seus contos e decorá-los para depois ditá-los à secretária. Isso o transformou no mestre da literatura sintética.
Da mesma forma, a dificuldade com os diálogos fez com que eu trabalhasse mais as legendas. Assim, há vários tipos de legendas na HQ, numa visível predominância destas sobre os diálogos.
O narrador principal do primeiro capítulo é o detetive e ele o faz em primeira pessoa, no tempo presente. Essa escolha não foi de modo algum aleatória, pois um narrador no presente é muito pouco onisciente, e tínhamos interesse que fosse assim para preservar o suspense sobre algumas questões. Mas há outra razão. Queríamos, também, com esse tipo de texto, forçar uma associação com os romances policiais noir, que em geral eram narrados dessa maneira.
O nosso detetive é, portanto, um detetive noir. Ele não senta em sua poltrona e procura decifrar o enigma através de seu raciocínio lógico, como certamente faria Sherlock Holmes. Ele se envolve nos acontecimentos e, embora seja bastante perspicaz (como demonstra a cena em que ele descobre que o fazendeiro é na verdade um militar), sua capacidade de raciocínio não parece extraordinária.
A narrativa é caótica: os fatos são mostrados de várias maneiras, formando o chamado caos semiótico. As sequências do Chupacabra são acompanhadas de um texto em terceira pessoa, há as sequências do documentário de TV (essas, escritas pelo desenhista Antonio Eder), há a lenda inca, que conta a origem do Chupacabra e há um momento (página 5 do primeiro capítulo) em que o texto representa o pensamento de Nicolau.
Há uma única sequência do primeiro capítulo que é narrada apenas com diálogos. Trata-se da operação militar na caverna de Minas Gerais. A escolha pelos diálogos se deveu a dois motivos: 1) Provocar uma quebra na história, mostrando que se tratava de uma cena independente; 2) Evitar que o leitor se identificasse com qualquer um dos personagens militares.
Esse segundo item deve-se ao fato de que o texto, a legenda, implica em alguma cumplicidade do leitor e do autor com o personagem. No caso do detetive, por exemplo, o leitor comunga de seus pensamentos, e passa a se identificar com ele. Como consequência, sua morte no final do capítulo será sentida com grande intensidade, enquanto que a morte dos soldados é vista apenas como uma notícia de jornal. Há um distanciamento.
Essa não identificação com determinados personagens é, inclusive, aconselhada por Platão: “O homem ponderado, segundo me parece, quando tiver de se referir, numa narração, uma frase, ou uma ação de um homem bom, procurará exprimir-se como se fosse esse homem (...) E quando tiver de falar de um homem indigno dele, não se permitirá imitá-lo a sério”.
Da mesma forma, quando, no segundo capítulo, me referi ao novato que espera por Nicolau em sua casa, dei a palavra a ele. Ele demonstra sua aflição diante da ausência de Nicolau e do Chupacabra, preocupação essa que é compartilhada pelo leitor, que não os vê desde o final do primeiro capítulo e não sabe o que aconteceu com eles.
Mais tarde, no final do segundo capítulo, ele é escolhido para narrar os acontecimentos posteriores ao contato com os extraterrestre. O texto poético e as informações a respeito de uma visão otimista de futuro levam a uma identificação com o leitor: “O céu é um campo de girassóis dominado pela luz prateada de nossas naves. Quarenta minutos. Esse é o tempo que nos separa do planeta rodeado por quatro luas” .
Por outro lado, quando precisei me referir ao Coronel, também no segundo capítulo, para contar sua história, eu o fiz em terceira pessoa, forçando um distanciamento. Queríamos que ele fosse uma espécie de figura mítica, um arquétipo da teoria da conspiração, influindo diretamente nos principais acontecimentos da história brasileira nos últimos 50 anos. Sua caracterização é feita já nas primeiras frases:
“Ele se recosta calmamente no banco, acariciando a maleta de armas. O Coronel é um homem convencional. Ele acredita na permanência, não na mudança. Tudo deve continuar como está. Cada coisa em seu lugar. Nada de mudanças”.
Notem a insistência na frase “nada de mudanças”, que se repete por todo o texto. Isso faz com que o leitor tenha uma predisposição negativa com relação ao personagem, já que na cena anterior o velho já havia convencido esse mesmo leitor da necessidade de se mudar um modelo de sociedade baseado na destruição da natureza, na desigualdade social e no consumismo: “Este é um mundo moribundo. Não temos muito tempo até que chegue o fim”.
O texto constantemente é a caracterização do estilo de um autor. Como já disse Borges, o estilo é formado pela redundância de certos temas, certas predileções. Quando fazia o 'letreiramento' da segunda parte da história, o letrista comentou, acertadamente, que tenho uma certa empolgação pelas cenas de delírio, ou sonhos.
De fato, minhas cenas prediletas, em termos de texto, são o sonho do detetive no primeiro capítulo e o delírio de Roberto antes de ser morto, no segundo capítulo. Esse é o tipo de cena que não precisa ser real, permitindo ao roteirista soltar sua imaginação. Eis o texto do sonho:
“Eu tive um sonho. Sonhei que estava num ônibus e havia um extraterrestre entre nós. Era uma figura estranha. Um vulto que se esgueirava entre os cantos. O motorista abria a porta e a criatura fugia... a multidão corria atrás dela, tentando pegá-la. Eu corria junto com eles, gritando por sangue alienígena. Então, em um momento, eu me tornava o alienígena e me sentia como ele se sentiria, sendo perseguido por uma multidão enfurecida”.
O texto, como se vê, narra acontecimentos de forma condensada, sumariando em quatro quadro o que poderia ser mostrado em quatro páginas. Baseados na distinção de Lubbock, poderíamos batizar essa categoria de texto de sumário.
Observe-se que, embora narre a história, o sumário não é redundante em relação ao desenho. Não é uma daquelas situações em que o desenho mostra Flash Gordon socando Ming e o texto diz: “Flash dá um soco em Ming”.
Enquanto o texto se refere ao pesadelo, o desenho mostra a cidade com o sol nascendo e, depois, o detetive se levantando da cama. Essa não redundância aumenta em muito a quantidade de informação da página. (Como ensina a cibernética, quanto menor for a probabilidade de uma mensagem ocorrer, maior será a sua carga de informação. Ou seja, quanto mais inusitada a mensagem, mais informação ela terá. No caso da cena analisada, o texto óbvio e menos informativo seria algo como: “O sol se levanta sobre a cidade. O detetive acorda. Ele está preocupado com o Chupacabra”. Tal texto acrescentaria muito pouco ao desenho, sendo redundante com relação a este).

BIBLIOGRAFIA

ASIMOV, Isaac. Suspense II in Isaac Asimov Magazine 23. Rio de Janeiro, Record
COMPARATO, Doc. Roteiro: Arte e Técnica de Escrever Para Cinema e Televisão. Rio de Janeiro, Nórdica, 1983.
DANTON, Gian et alii. Manticore Especial parte um. Curitiba, Monalisa, 1998
------------------. Sequência Especial, 2: A Difícil Arte de Escrever Quadrinhos. Curitiba, autoral, 1997.
EPSTEIN, Isaac. Teoria da Informação. São Paulo, Ática, 1986
TALENTO do Pará em revista. O Liberal, Cartaz, 03.02.99, p. 6
LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo, Ática, 1994
LYPSZYK, Enrique. História em Quadrinhos e Seu Argumento in MOYA, Álvaro. Shazan!. São Paulo, Perspectiva, 1977.
MOORE, Alan. On Writing for Comics - Parte one in The Comics Journal, 119. Janeiro de 1988, p. 91-95.
MOORE, Alan. On Writing for Comics - Parte two in The Comics Journal, 120. Março de 1988, p. 99-102.
MOORE, Alan. On Writing for Comics - Parte three in The Comics Journal, 121. Abril de 1988, p. 133-137.
POE, Edgar Allan. Ficção Completa, Poesia & Ensaios. Rio de Janeiro, Aguilar, 1965

domingo, 26 de julho de 2009

O que é um roteiro e para que serve


Durante algum tempo da história dos quadrinhos, desenhista e roteirista eram a mesma pessoa. Em outras palavras, havia um só artista, que bolava a história, escrevia, desenhava e, em alguns casos, até fazia o letreiramento.
Mas com o tempo foi possível perceber que nem todo bom desenhista é também um bom roteirista. Para ser bastante sincero, logo ficou claro que alguns desenhistas eram quase analfabetos.
Foi quando surgiu a figura do roteirista. Creio que o primeiro grande roteirista foi Lee Falk, autor de Mandrake e Fantasma. Falk criou verdadeiras lendas e tinha total controle sobre elas. Mas como ele podia fazer isso? Afinal, ele era apenas o escritor... Como ele poderia fazer com que o desenhista ilustrasse a história exatamente como estava em sua cabeça?
Se você respondeu “através do roteiro”, ganhou um doce.
O roteiro é uma invenção genial. Ele permitiu que uma pessoa incapaz de desenhar um círculo fizesse quadrinhos. Ele permitiu que artistas que não se conhecem, e nem mesmo moram no mesmo país, possam trabalhar juntos. E, finalmente, o roteiro abriu a possibilidade dos quadrinhos alcançarem uma qualidade literária e gráfica inimaginável.
Portanto, o roteiro é um veículo através do qual o escritor consegue orientar o desenhista, levando-o a ilustrar a história exatamente como ele imaginara.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Os roteiristas de novelas

Hoje eu estava conversando com o Jefferson, conhecido como Kaverna, sobre roteiristas, e a gente falava dos roteiristas de novelas. A gente falava das qualidades e defeitos de cada um. Um dos problemas é a repetição dos temas:
Benedito Rui Barbosa sempre faz o Rei Lear;
Agnaldo Silva sempre faz Romeu e Julieta;
Walcyr Carrasco sempre faz A Megera Domada.
Borges dizia que o cara começa a ter estilo quando começa a se repetir, mas sei não... O Dias Gomes era mais eclético, embora fosse muito influenciado pelo realismo fantástico.
E, quando o assunto é diálogos, Benedito Rui Barbosa é sempre um mestre. Parece que estamos vendo duas pessoas reais falando...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Em defesa dos roteiristas de quadrinhos

Na época do lançamento da graphic novel Mulher diaba no rastro de Lampião, um jornalista especializado da Folha de São Paulo entrevistou o desenhista Flávio Colin e perguntou se ele havia pesquisado literatura de cordel para escrever a história. O entrevistador ignorou completamente que a história havia sido escrita pelo roteirista Ataíde Brás, que pesquisou profundamente o cordel e fez nesse trabalho o que seria sua obra-prima.
O caso mostra bem a forma como os roteiristas têm sido vistos no Brasil por jornalistas, editores e fãs. Em Macapá existe um rapaz que dá aula de quadrinhos nas quais ensina que, para escrever uma HQ, não é necessário ter qualquer tipo de preparo intelectual... basta saber desenhar. Suas opiniões não são uma anomalia, mas, ao contrário, expressam uma opinião dominante.
Quando a Tiazinha começou a fazer sucesso e surgiu a proposta de fazer um programa de TV exclusivo para ela, alguém teve a idéia de colocar no programa elementos dos gibis. Para que isso acontecesse, chamaram para fazer o roteiro... um desenhista de quadrinhos. O resultado vergonhoso todos nós vimos: uma história sem pé nem cabeça que fez os fãs terem saudades da época em que a Tiazinha apenas desfilava com lingiere e depilava a perna de marmanjos.
A importância dos roteiristas, em outros países, é mais do que provada. Alguns roteiristas, como Goscinny, Stan Lee e Alan Moore tornaram-se estrelas, de modo que seus nomes na capa conseguem, por si só, garantir as vendas de uma revista. Neil Gaiman mostrou, em Sandman, que uma revista podia vender muito bem mesmo sem ter desenhistas talentosos. Os primeiros ilustradores de Sandman eram, no máximo, competentes, mas mesmo assim a revista chegou a vender tanto quanto a do Superman.
O lançamento de obras desses roteiristas costumam ser acompanhadas, no Brasil, de grande divulgação. É comum dar mais destaque ao roteirista que ao desenhista. Mas esses mesmos editores e jornalistas têm uma visão diferente quando se trata do roteirista nacional. Um editor me confidenciou, certa vez, que, se pudesse, publicaria apenas histórias sem texto, apenas com desenhos, pois o roteiro, para ele, era irrelevante. Isso acaba se refletindo até mesmo nos créditos. Quando a graphic gótica A hora do crepúsculo foi lançada, o texto da capa dizia: Texto e desenhos de Bené Nascimento. No miolo, todas as histórias tinham roteiro meu.
Quando a história "Siren" foi lançada na coletânea Brazilian Heavy Metal, os editores simplesmente esqueceram de me creditar como roteirista.
Recentemente foi lançado um álbum com histórias minhas. O material promocional citava apenas o nome do desenhista e nenhum dos jornalistas que resenhou a obra percebeu que várias das histórias publicadas não tinham sido escritas por ele.
À falta de reconhecimento alia-se os problemas com desenhistas. Todo roteirista tem uma quantidade enorme de roteiros escritos e nunca aproveitados porque os desenhistas simplesmente abandonaram o barco. A situação é pior quando os personagens foram criados pelo desenhista, o que torna impossível apresentá-los a outro artista.
Tenho mais de mil páginas escritas e que nunca serão aproveitadas. O tempo gasto na produção desses roteiros dava para fazer uns três romances. O sistema das editoras brasileiras, de aceitar apenas projetos prontos, privilegia os desenhistas-escritores e torna quase impossível para o roteirista apresentar projetos.
Em países nos quais a editora compra o roteiro e contrata um desenhista para ilustrá-lo, isso permitiu o surgimento de ótimos roteiristas.Em todos os países do mundo em que os quadrinhos apresentaram um grande desenvolvimento, há a figura central de roteiristas. Na Argentina, os quadrinhos se estruturaram a partir do roterista Héctor Germán Oesterheld, ganhando não só reconhecimento popular, como os aplausos da crítica. Na França, Goscinny (Asterix) e Charlier (Blueberry) elevaram os quadrinhos ao mesmo nível da literatura. Nos EUA, Stan Lee criou o fenômeno Marvel, com personagens como Homem-Aranha e X-Men, que hoje rendem fortunas para Hollywood. Lá, a reclamação é exatamente oposta: os desenhistas, como Jack Kirby e Steve Ditko, reclamam que seus nomes não tiveram tanto destaque quanto o de Stan Lee. Na Itália, os Bonelli (pai e filho, ambos ótimos roteiristas) transformaram o fumetti em um fenômeno cultural. No Brasil, nenhum roteirista jamais se destacou. Seria por falta de qualidade? O escritor Júlio Emílio Braz, após deixar os quadrinhos, dedicou-se apenas à literatura juvenil, ganhou o prêmio Jabuti e hoje é um dos escritores de paradidáticos mais requisitados do país. Outros foram para a publicidade, para o jornalismo, e se destacaram nessas áreas. Mais cedo ou mais tarde, os roteiristas vão abandonando o gênero e se dedicando a outras áreas. Eles o fazem após constatar uma verdade triste: fazer quadrinhos no Brasil é coisa de quem sabe desenhar. E só. Não há espaço para roteiristas.

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