segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Como formatar o roteiro

COMO FORMATAR O ROTEIRO

Bem, chegamos ao nosso objetivo principal: ensiná-lo como formatar o seu roteiro. Nós não lhe ensinaremos o método marvel, pois ele é bastante simples. Basta fazer um resumo da história e entregar ao desenhista. Um full script requer mais trabalho e é também mais complicado.
A primeira coisa que você deve se lembrar é que um roteiro vai ser lido por alguém. Para ser mais exato, o seu roteiro será lido por um desenhista. E, creia-me, os desenhistas não costumam ser leitores vorazes. Assim, seu texto deverá ser objetivo. Eu disse objetivo, não seco. Lembre-se, ele deve ser agradável. Se for possível contar uma piadinha que esclareça o quadro, conte. Se você tiver um objetivo com o quadro, coloque isso no roteiro. Se você quer que o quadro lembre uma obra famosa da pintura, não pode esperar que o desenhista adivinhe isso.
Toda informação é importante para esclarecer o desenhista quanto ao caminho que ele deverá seguir.
Dito isso, passemos ao roteiro em si.
O essencial nesse tipo de coisa é que deverá haver uma parte destinada à descrição do quadro, e uma parte destinada ao texto e aos diálogos. Você pode fazer o roteiro em T: pegue uma folha de papel, divida-a no meio e coloque, do lado esquerdo, as descrições, e do lado direito as falas dos personagens, além da narrativa.
Pessoalmente não gosto do roteiro em T porque ele limita muito a ação do roteirista. Nele, cada página datilografada corresponde a uma página de desenho. Mas há situações em que você precisa de mais de uma página para descrever um painel. Já vi um roteiro do Alan Moore em que ele usa mais de uma página de texto para descrever um único quadro.
Outro problema do roteiro em T é que ele é um pouco complicado de fazer no computador, a não ser que você esteja usando o Page Maker, o que eu não aconselho, pois esse programa foi feito para diagramação e não para digitação. No word é muito difícil conseguir manter a página dividida ao meio e deixar cada texto ao lado da sua descrição correspondente.
O roteiro corrido é muito mais fácil de fazer no computador. Ele se parece com um roteiro de teatro, ou de cinema (o roteiro em T é muito usado na televisão).
Nele você vai simplesmente descrevendo as cenas, e, abaixo, coloca o texto correspondente. Você deve começar pelo título, seu nome, a página, e depois a descrição dos quadrinhos. Quando mudar a página, a numeração dos quadrinhos volta ao 1.
Veja um exemplo:

O Livro dos Dias
Roteiro de Gian Danton
Página 1
Quadro 1 - Quadro grande, de ambientação. Vemos um cavaleiro cavalgando sobre um campo florido. É um cavaleiro medieval, mas com uma série de modificações que o identificam como sendo a versão marciana de um cavaleiro medieval. Atrás dele há um céu bonito e montanhas ainda mais belas. O cavaleiro segue confiante com sua lança e espada. Detalhe: o cavalo sobre o qual ele está também é uma versão marciana de um cavalo.
Texto: Sobre as pradarias de Marte, o cavaleiro segue em direção ao seu destino.
Texto: Ao longe, um iog suspira modorrentamente. Ele permanecerá ali até que o sol se ponha. Então voltará para sua toca e dormirá durante toda a noite.
Cavaleiro: Saudades de minha linda Beatriz!
Quadro 2 - Quadro menor. Uma vista de cima do cavaleiro e seu cavalo.
Texto: Ele não conseguiria imaginar alguém que rivalizasse com ela em virtudes: Beatriz é bela, ingênua e caridosa.
Texto: Axel prometeu protegê-la.
Quadro 3 – O cavaleiro agora é mostrado de lado.
Texto: Beatriz está presa na cidade de Dju'liet B'noch e o cavaleiro teme por sua honra.
Texto: No memorável dia em que se ordenou cavaleiro, ele prometeu proteger todas as mulheres...
Quadro 4 – Em primeiro plano temos o lagarto Iog e o cavaleiro está em segundo plano, afastando-se de nós.
Texto: ...pois sabe que elas são o signo da perfeição, introduzidas por Deus no mundo para que se tenha um vislumbre do que será o paraíso.

Página 2
Quadro 1 - O cavaleiro atravessando os portões de uma cidade.
Texto: Axel atravessa os portões da cidade e o que vê faz com que ele duvide de suas convicções.
Texto: Há mulheres ali, mas mulheres fúteis, incapazes de se preocupar com algo que não seja a fofoca do dia.
Quadro 2 - O cavaleiro agora está percorrendo uma das ruas da cidade.
Texto: No alto de uma torre, uma mulher gorda joga uma panela sobre o marido, chamando-o de imprestável.
Texto: O cavaleiro treme. Mas não. Perigos terríveis o esperam.

Como você pode perceber, é especificada a página, o quadro, e só então se começa a descrição da cena. A seguir é apresentado o texto (aquilo que fica naqueles balões quadrados) e os diálogos.
Atenção: em cada fala o roteirista deve identificar quem está falando. Lembre-se, quadrinho não é literatura.

Não faça coisas dos tipo:

Quadro 2 – João e Maria estão andando na rua.
- Que dor de cabeça!

Quem está falando? Maria ou João? Aposto que você não consegue advinhar. O mesmo ocorre com o desenhista. Antes do diálogo, coloque o nome do personagem, assim:

Quadro 2 – João e Maria estão andando na rua.
João: Que dor de cabeça!

Agora sim, sabemos que autor da frase é João. Se Maria também tivesse uma fala no quadro, deveríamos antepor ao texto o nome de Maria.
A mesma coisa acontece com o texto. Se for um texto, e não diálogo, coloque isso no roteiro.
Não faça assim:

Quadro 3 – João e Maria ainda estão andando na rua.
- João está com dor de cabeça.

O que é isso? O desenhista, provavelmente, vai achar que se trata de uma fala de Maria, e vai tascar-lhe um balão.
O correto é assim:

Quadro 3 – João e Maria ainda estão andando na rua.
Texto: João está com dor de cabeça.

Sempre, quando estiver escrevendo o roteiro, pense nele, visualize-o . Imagine a página pronta, desenhada, ou então faça um esboço da página. Isso vai evitar que você coloque coisa impossíveis de serem desenhadas. Devem ser especialmente evitadas aquelas descrições que incluem mais de uma ação. Tipo:

Página 1
Quadro 1 – João levanta da cadeira na sala e pega um copo na cozinha.
Quadro 2 – João abre a geladeira, coloca suco nos copos e traz de volta à sala e oferece para o visitantes.

Esse pequeno trecho inclui uma série de ações. Primeiro temos João levantando. Depois ele está andando até a cozinha. Ele chega à cozinha. Ele pega um copo no armário. Ele abre a geladeira. Ele pega o suco. Ele coloca o suco no copo. Ele sai da cozinha com o copo de suco. Finalmente, ele oferece o suco ao visitante.
São muitas ações para dois quadros apenas, não é mesmo? Diante de uma situação dessas, o desenhista se vê diante de duas possibilidades. Ou ele quebra as várias ações em vários quadros, fazendo com que o número de páginas de sua história aumente, ou ele simplesmente corta ações, deixando-as subtendidas.
Assim, ele mostra João se levantando. No quadro seguinte ele já está na cozinha, abrindo a porta da geladeira. A ação de andar até a cozinha e abrir a geladeira fica subtendida, e o leitor apenas advinha que ela existiu.
Em todo caso, só um bom desenhista faria isso. A maioria ia tentar seguir seu roteiro à risca e então teríamos um personagem clone do homem-borracha: ele está levantando da cadeira, mas seus braços já se esticaram para a cozinha e estão, um abrindo a porta da geladeira e o outro pegando um copo. Já imaginou isso desenhado? Ia ficar horrível, não é mesmo?

sábado, 18 de outubro de 2008

Como escrever quadrinhos
OS TIPOS DE ROTEIRO

Se fôssemos dividir os tipos de roteiro, encontraríamos duas modalidades principais. A primeira é aquela que chamamos de roteiro e nos EUA é denominado de full script. A outra é o argumento, ou Marvel Way.

O ARGUMENTO OU MARVEL WAY

Na década de 60 Stan Lee era um cara muito ocupado. Ele escrevia uma série de personagens: Capitão América, Homem-aranha, Homem de ferro, Doutor Estranho, Hulk, Surfista Prateado, Demolidor, Quarteto Fantástico, Os Vingadores e mais algumas bobagens.
Qualquer um que já se aventurou a escrever um roteiro de quadrinhos deve se perguntar: afinal de contas, como ele conseguia escrever tantos títulos e ainda ser editor das revistas?
A resposta é o marvel way, ou argumento. Stan, esperto, não fazia o roteiro descriminando tudo que aconteceria na história. Ele entregava ao desenhista apenas uma sinopse e, depois de desenhada a história, colocava o texto.
O método Stan Lee era algo mais ou menos assim:

O tocha humana foge do Quarteto Fantástico e os outros integrantes começam a procurá-lo pela cidade. Ele, vestido como uma pessoa normal, entra em uma pocilga e lá encontra com Namor, que está desmemoriado. O Tocha joga o coitado no mar e ele recupera a memória e decide se vingar dos humanos convocando um monstro marinho. O Coisa resolve o conflito entrando com uma bomba nuclear dentro do bicho e explodindo-a lá dentro.

Eis o roteiro de uma revista inteira! Não admira que Stan Lee escrevesse tantos títulos...
Atualmente o método Marvel, chamado no Brasil de argumento, evoluiu para algo um pouco mais descritivo. Os roteiristas costumam descrever a ação da página como um todo, mas deixando para o desenhista a escolha sobre quantos quadrinhos usar e como dispô-los na página.
Algo mais ou menos assim:

Página 2
O Coisa, O Doutor Fantástico e a Mulher Invisível saem no Fantasticarro para procurar o Tocha. Sue fica invisível e caminha entre as pessoas. Ela entra em um bar e toma um suco em um bar. Um homem vê e corre assustado.
A tradição de só colocar o texto depois de feito o desenho se mantém.
O leitor deve estar se perguntando quais as vantagens e desvantagens do método Marvel.
A primeira vantagem, claro, é que ele permite ao roteirista escrever muitas revistas ao mesmo tempo. E, se o desenhista for muito bom, permite que ele solte sua imaginação.
Mas as desvantagens são maiores.
Se o desenhista não for bom e experiente como era Jack Kirby, o principal parceiro de Stan Lee, ele provavelmente vai estragar a sua história. Vai fazer dela algo tão pavoroso que nem você terá coragem de ler.
Por outro lado, o método Marvel faz com que o estilo do desenhista se sobreponha ao do roteirista. Não é a toa que Jack Kirby dizia ser autor de todas as histórias feitas por ele na Marvel. Afinal, o trabalho duro era todo dele... O roteirista só precisava ter uma idéia básica e depois colocar o texto sobre o desenho já pronto.
Faça uma experiência. Pegue histórias dos X-Men de vários desenhistas, mas todas escritas por Chris Claremont. As histórias desenhadas por John Byrne são completamente diferentes daquelas desenhadas por Bill Sienkiewicz. Parece que são escritas por pessoas diferentes. Fica difícil olhar e dizer: “Esta é uma história do Claremont”. O estilo do roteirista fica apagado diante da estética do desenhista, algo que já não acontece quando se usa um roteiro full script.

ROTEIRO FULL SCRIPT
Nesse caso, o roteirista descreve detalhadamente cada quadro de cada página, inclusive com os textos e os diálogos. O objetivo é passar ao desenhista todas as informações sobre como o roteirista pensa a história e convencê-lo a seguir os passos indicados pelo roteiro (regra básica de um roteiro: nunca seja chato).
Além da descrição objetiva da cena, o full script pode fazer considerações psicológicas sobre os personagens. Sua motivação na cena, por exemplo.

Um full script padrão seria algo mais ou menos assim:

Página 1
Quadro 1 – João está andando na rua de uma grande cidade. Ele é alto, magro e branco. João parece estar triste e algumas pessoas olham para ele, comovidas com seu sofrimento.
Texto: Hoje não foi um bom dia.
João: Preciso melhorar a minha vida!

O full script pode evoluir para um texto “à prova de desenhista”. Isso significa que, independente da qualidade ou do estilo do ilustrador, o resultado será semelhante. Os mestre dos roteiros à prova de desenhista são Alan Moore e Neil Gaiman.
Os roteiros de Moore são tão detalhados que torna-se impossível o desenhista “escorregar”, ou seja, fazer alguma besteira.
Nessa modalidade descreve-se tudo, até a angulação a partir da qual vemos a (de cima para baixo, de lado) e até as roupas dos personagens.
Veja como seria a versão à prova de desenhista, feita pelo roteirista ABS Moraes:
Página 1Painel 1- Externa, dia, plano geral, altura normal. Em primeiro plano vemos: João,o protagonista da história que aparece neste painel, está andando pelacalçada de uma avenida da cidade grande. Ele é mostrado de frente nesteprimeiro momento pra que o leitor, posteriormente, tenha familiaridadebastante com sua aparência pra reconhecê-lo de imediato. É alto, mas nãotão alto, mais como uma pessoa que ultrapassou um pouco a estatura médiado brasileiro comum, digamos que 1.80 m.; branco, não pálido; magro, massem ossos pronunciados. Background: prédios de escritórios, lojas dedepartamento, lanchonetes e afins podem ser vistos de ambos os lados darua. Carros passam zunindo pela rua em altas velocidades. Pessoas nascalçadas de ambos os lados da rua observam enquanto João passa e nãopodem deixar de se compadecer com o sofrimento e angústia que eledemonstra. Sua expressão deve transmitir os sentimentos acimamencionados, não esqueça.Texto: Hoje não foi um bom dia.João: Preciso melhorar a minha vida!
Como se vê, há uma grande quantidade de detalhes que orientam o desenhista e garantem que ele faça exatamente o que o roteirista pensou para a cena. Isso faz com que o escritor, embora não seja o responsável pelo resultado final, tenha total controle sobre ele.

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